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PANORAMA DO CUMPRIMENTO DAS METAS DE AICHI 2020

No início da década de 1980 o Brasil passou por profundas transformações. Após 21 anos de ditadura começava o processo de redemocratização do país. Em São Paulo elegia-se Franco Montoro, um líder que, a partir de concertos e valores muito objetivos como a da descentralização e participação, mudou o estado brasileiro. Seu governo foi ainda marcado por uma até então desconhecida sensibilidade para questões sociais das minorias, da proteção ambiental e da cidadania, questões estas pelas quais a sociedade paulista em particular e brasileira em geral começavam a se mobilizar, como parte da reconquista da liberdade e democracia.

Foi neste ambiente propício que surgiu um dos mais importantes movimentos ambientalistas do planeta, tendo como foco especialmente a defesa da Mata Atlântica, o litoral a Serra do Mar e o Vale do Ribeira, com seus patrimônios naturais, culturais e étnicos.

Os olhares dos ambientalistas nacionais e internacionais, que já se mobilizavam pela Amazônia e pelo Pantanal, agora focavam também a grandiosa floresta que originalmente cobria 15% do território brasileiro, em 17 Estados, e que se caracterizava como uma das mais destruídas e ameaçadas do Planeta.

Na área da Juréia, ameaçada de loteamentos e usinas nucleares, na região do PETAR, cavernas destruídas pela mineração irregular, a caça e a exploração predatória da Jussara; na Mata de Caucaia do Alto, o projeto equivocado de um novo aeroporto internacional (depois construído em Guarulhos); em todo o litoral norte, a especulação imobiliária expulsando caiçaras , e destruindo paisagens e ecossistemas únicos.

E, como síntese e alerta desse quadro assustador, o complexo industrial de Cubatão, então considerado o local mais poluído do mundo, onde crianças nasciam com anencefalia, populações inteiras na miséria sofrem grandes problemas respiratórios e a natureza, dos manguezais ao alto da serra, morriam sufocadas pela chuva ácida e pela alta emissão de particulados.

Os desafios sócio-ambientais eram enormes e urgentes, enquanto os instrumentos legais, tecnológicos e institucionais para enfrentá-los eram ainda incipientes. No âmbito federal, por mérito da capacidade de articulação do Dr. Paulo Nogueira Neto, surgia o CONAMA, a Lei Nacional de Meio Ambiente e brotavam Área de Proteção Ambiental - APAs e Estações Ecológicas nas diversas regiões do Brasil. Em São Paulo José Pedro Costa assume o trabalho do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, com a mesma linha de trabalho.

Na sociedade civil, surgiam várias ONGs ambientalistas com a grande capacidade de mobilização e produtiva articulação com a imprensa, que repercutia com grande espaço as lutas de caráter social e ambiental. O Movimento em Defesa da Juréia, o Grupo da Terra da SUDELPA, as lutas pela implantação do PETAR e do Parque da Ilha do Cardoso no Largamar, pelo tombamento da Serra do Mar, entre outros, serviram como ponto de convergência entre ativistas de ONGs e técnicos de Governo e formaram toda uma geração de ambientalistas que moldou em grande parte o movimento nacional em defesa da biodiversidade e da diversidade sócio-cultural.

Da ação convergente desses vários atores e movimentos, resultou também um forte quadro institucional na área ambiental, tanto no setor governamental quanto na sociedade civil. Não é por outra razão que neste ano de 2011 estamos celebrando simultaneamente os 25 anos de criação da Secretária do meio Ambiente e da Fundação Florestal de São Paulo, os 25 anos da Fundação SOS Mata Atlântica e os 20 anos de reconhecimento pela UNESCO da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica - RBMA, todas surgidas da mesma articulação.

A sinergia desses atores pela introdução do capítulo de Meio Ambiente na Constituição de 1988 coordenada pelo Deputado Fábio Feldmann e a Rio-92 contribuiu muito para a consolidação destas conquistas e para a consolidação da luta pela Mata Atlântica, inclusive com a criação da Rede de ONGs da Mata Atlântica durante aquela conferência de ONU.

A Reserva da Biosfera da Mata Atlântica é, ao mesmo tempo resultado e protagonista deste movimento e, embora surgida e sediada em São Paulo (na Serra da Cantareira, junto ao Instituto Florestal e à Fundação Florestal da Secretaria do Meio Ambiente), desde o início foi estruturado com caráter nacional. Após sucessivas ampliações, a RBMA abrange atualmente áreas nos 17 Estados da Mata Atlântica e, com 78 milhões de hectares tornou-se a maior, entre todas as 581 Reservas da Rede Mundial da programação MAB/UNESCO que envolve 112 países.

Atuando na escala do Bioma e gerida por um sistema de gestão paritário entre governo e sociedade civil que envolve mais de 250 instituições ( em seu Conselho Nacional e Colegiados Regionais e Comitês Estaduais) a RBMA criou um novo modelo de reservas da biosfera que foi adotado pelas demais reservas da biosfera brasileiras criadas nos anos seguintes, e que recebeu o premio de meio ambiente da UNESCO em seus 60 anos.

Para cumprir suas três funções básicas – Conservação da Biodiversidade, Promoção de Desenvolvimento Sustentável e Difusão do Conhecimento Científico e Tradicional, a RBMA criou um amplo conjunto de programas permanentes como os programas Mercado Mata Atlântica, Turismo Sustentável, Mosaicos e Corredores Ecológicos, Águas e Florestas, Anuário Mata Atlântica, Florestas Urbanas, Políticas Públicas, Cooperação Internacional e Restauração Ecológica, como membro integrante e responsável pela Secretária Executiva do Pacto da Restauração da Mata Atlântica.

Para implementar estes programas a RBMA desenvolve projetos através da OSCIP Instituto Amigos da RBMA, dos Comitês Estaduais, de Postos Avançados e de uma ampla rede de parcerias com governos, centros de pesquisa, comunidades locais, empresas e organizações da sociedade civil. Dentre estas parcerias cabe destacar o Ministério do Meio Ambiente, que coordena o Comitê Brasileiro do programa MAB/UNESCO e a Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo que, desde sua criação, sedia e apóia a Secretaria Executiva do Conselho Nacional da RBMA.

Nestes 20 anos de existência a RBMA têm contribuído de modo expressivo para a Conservação da Biodiversidade, Uso Sustentável e a repartição dos benefícios gerados por este uso, ou seja, tem sido um instrumento importante na implementação da Convenção da Diversidade Biológica em nosso país, especialmente para o Bioma Mata Atlântica.

Dentre suas contribuições pode-se destacar: O apoio à criação de cerca de 30 Unidades de Conservação na Mata Atlântica; a articulação técnica e institucional para a criação dos Mosaicos de Áreas Protegidas reconhecidos no Bioma; o apoio na criação e gestão (através dos Comitês Estaduais da Bahia e Espírito Santo) do Corredor Central da Mata Atlântica; a criação do Dia da Mata Atlântica (27 de maio) por proposta aprovada no CONAMA; a elaboração do Primeiro Plano de Ação para a mata Atlântica e participação direta na elaboração dos subseqüentes Planos e programas nacionais para o Bioma, bem como da definição de Áreas Prioritárias para sua Conservação; a implementação do primeiro estudo sobre a sustentabilidade de recursos nativos da Mata Atlântica, proporcionando inclusive a primeira certificação de um produto do Bioma (Erva Mate Putinguense) pelo FSC; formação de mais 500 jovens de comunidade locais como monitores ambientais e de ecoturismo; através do Programa Mercado Mata Atlântica, apóia mais de 3500 pequenos empreendedores (artesa nato, agro floresta, orgânicos, etc.) certificando produtos e promovendo comércio justo e sustentável; possui 38 Postos Avançados em 13 Estados da Mata Atlântica que atuam como multiplicadores dos conceitos e projetos desenvolvidos pela Reserva.

Além dos programas técnico-científicos a RBMA tem igualmente uma importante atuação no campo das Políticas Públicas e da Educação Ambiental. Nestes 20 anos a RBMA participou diretamente da discussão de todas as principais legislações nacionais (e muitas vezes estaduais) relacionadas à conservação e uso sustentável do Bioma. Foi assim, por exemplo, com a Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), a Lei da Mata Atlântica, os Programas relativos à integração de Águas e Florestas, Florestas Urbanas, Turismo Sustentável, Cadeias da sócio-diversidade, ICMS ecológicos , entre outros. Para tanto, além da articulação de sua rede, a RBMA promoveu dezenas de Seminários Nacionais e internacionais sobre estes e outros temas de interesse. Da mesma forma o Conselho Nacional e seus Comitês têm uma forte atuação nas campanhas públicas, como por exemplo, a defesa do Código Florestal brasileiro entre muitas outras.

No campo da comunicação ambiental a RBMA mantém um dos mais visitados portais sobre a Mata Atlântica na Internet e, além de dezenas de publicações e material de divulgação (cartazes, exposições, banners, etc.), a Reserva mantém a mais antiga série de publicações voltada ao Bioma os "Cadernos da RBMA" iniciado em 1993 e que completa 41 volumes com a presenta publicação.

Desde 1993, a RBMA premia anualmente as principais pessoas e instituições que contribuem para a Conservação e Sustentabilidade da Mata Atlântica. Neste período 52 pessoas e entidades receberam o "Prêmio Muriqui", o mais tradicional e um dos mais prestigiados do Sócio-Ambientalismo Brasileiro.

Por último cabe ressaltar a atuação da RBMA nestas duas décadas no âmbito da cooperação internacional, seja como membro de diversas Comissões do MAB/UNESCO, seja na Rede Ibero Americana de Reservas da Biosfera (Iberomab), seja no intercambio e cooperação direta com mais de uma dezena de países. Nesta mesma linha a RBMA tem participado, desde a Rio-92 dos esforços internacionais voltados à Conservação da Biodiversidade Biologica (CDB), buscando sua aplicação ao Bioma Mata Atlântica.
Por esta razão, a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, por meio de seu Programa Anuário Mata Atlântica realizou em parceria com o WWF a avaliação a avaliação sobre os cumprimentos das metas de 2010 da CDB para uso bioma. Os resultados foram apresentados na COP-10 em Nagoya, Japão em 2010. A partir de então, a realização do monitoramento e avaliação anual do cumprimento das metas da CDB no Bioma.

Assim, o Plano Estratégico de Metas Aichi para 2020 e o Protocolo de Nagoya para o acesso e repartição dos benefícios do uso da biodiversidade, apresentados a seguir são um dos roteiros básicos das ações da RBMA para os próximos anos.

Dentre os aspectos conceituais e metodológicos estabelecidos para estas ações, destaca-se:

A RBMA, em articulação com a Rede Brasileira de Reservas da Biosfera, os Núcleos e Redes relacionados as demais biomas, buscará estimular a promoção do monitoramento e avaliação das Metas de Aichi para cada um dos Biomas Brasileiros.

Tal processo deve ocorrer de forma integrada com a avaliação de caráter nacional e com os governos sub nacionais, com destaque para os 17 Estados da Mata Atlântica que devem ser estimulados e apoiados para promover o referido esforço de monitoramento.

O processo deste monitoramento deve ser permanente e deve-se assegurar uma avaliação completa a cada dois anos, coincidindo com a agenda internacional das Conferências das Partes (COP) da CDB. Para o anos de 2012 recomenda-se um documento com as definições metodológicas de todos o processo a ser apresentado na Rio +20.

A RBMA considera ainda que é importante que se possibilite uma avaliação sintética ANUAL do cumprimento das metas de Aichi de forma a permitir a transparência do processo de avaliação, a identificação de lacunas e a consolidação do processo de monitoramento como um instrumento fundamental da estratégia de Conservação e Uso Sustentável da biodiversidade.

O monitoramento e avaliação dos cinco objetivos e 20 metas de Aichi devem ser realizados de forma participativa envolvendo toda a Rede RBMA, seus parceiros e outros interessados.

Neste sentido, o Caderno RBMA 41, realizado conjuntamente pela Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e pela Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, que inclusive estará coordenando o Programa Metas de Aichi estabelecido pelo Governo do Estado, contribui para a divulgação das referidas metas e o envolvimento da sociedade paulista e brasileira no processo de seu cumprimento e monitoramento, como parte de um desejado processo inclusivo de desenvolvimento sustentável em nosso país.

Clayton Ferreira Lino
Presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica